Antigamente, possuir um automóvel era motivo de orgulho e ostentação, mas cada vez mais começamos a perceber os reais inconvenientes que advêm do atual uso excessivo deste meio de transporte. Ruas cinzentas e envelhecidas, onde é perigoso sair, conviver, passear ou brincar. O permanente ruído que de dia nos deixa mais tensos e à noite nos furta o direito a um sono reparador. O fumo e o cheiro a petróleo que, mesmo sem sabermos, nos vai tornando mais propensos a certas doenças. E, claro, o salário que mal dá para a renda da casa, a creche dos miúdos, as compras na mercearia ou no supermercado… mas que ainda tem de chegar para a gasolina, para o estacionamento, para o crédito do carro, para o seguro, para o selo, para a inspeção e para as revisões. O carro, afinal, muito embora possa ser um instrumento útil no dia-a-dia, também nos pode roubar qualidade de vida.
O desenvolvimento estratégico da cidade deve levar tudo isto em conta. Não só no papel, nos projetos a longo prazo, mas também ao intervir no terreno, tanto em aspetos mais estruturantes como em pormenores discretos mas que podem fazer a diferença. Já aqui falámos de estacionamentos e de outras medidas simples e económicas relacionadas com bicicletas. Hoje abordaremos um outro exemplo muito simples de como se pode pensar – e construir – uma cidade mais amiga das pessoas.
Foi notícia recentemente a instalação de temporizadores nos semáforos do centro de Braga. A contagem decrescente dá uma ideia mais precisa do tempo reservado a cada utente da via e da importância que os engenheiros, ou alguém no lugar deles, acha que cada classe de utilizadores deverá ter na cidade. Um caso flagrante é o da Senhora-a-Branca, em que o tempo de abertura destinado às 3 passadeiras com mais movimento de peões, incluindo a passadeira mais longa desse cruzamento, é o mais curto (apenas 25 segundos de sinal verde, seguidos de 90 ou 100 segundos de vermelho). Claramente, alguém decidiu que são muito mais “importantes” os carros da 31 de janeiro do que as centenas de pessoas que circulam a pé e de bicicleta, ou os milhares que se deslocam nos numerosos autocarros que constantemente chegam da rua D. Pedro V. Poder-se-ia ter aproveitado a oportunidade para rever essa distribuição de modo a facilitar a vida a quem escolhe as modalidades de transporte que mais beneficiam a cidade.
Precisamos de mudar de paradigma. Fazer cidade pelas pessoas e para as pessoas. Elas são bem mais importantes e valiosas do que os carros!