Por um projeto BRT participado por todos

O anúncio de que a cidade de Braga vai contar com um sistema BRT só pode deixar os bracarenses entusiasmados. Trata-se de uma oportunidade para introduzir um sistema de transporte coletivo que tem de servir para resolver os problemas de mobilidade na malha urbana e que adicionalmente deverá “sarar” algumas das feridas estruturais da cidade. Espera-se que o BRT, complementado com outras medidas fundamentais como seja a construção de mais ciclovias, consiga ajudar a atingir uma significativa mudança modal (do carro para outros modos mais amigos da cidade).

Um dos objetivos do BRT deve ser retirar o privilégio atribuído aos carros, para se obter um equilíbrio e uma coexistência com outros modos de transporte, de que resulta a criação de mais e melhores opções de mobilidade.

Para atingir tal objetivo, é fundamental que a solução que vier a ser proposta seja realmente impactante, no sentido positivo. Assim, é necessário explicá-la e discuti-la com os bracarenses. Um sistema BRT é uma solução que tem fortes ramificações para diferentes dimensões da cidade, pelo que, quanto maior for o número de perspetivas consideradas, melhor será seguramente essa solução.

Infelizmente, não é nada disso que se tem verificado até agora. O projeto parece estar no “segredo dos Deuses”, dando a ideia de estar a ser preparado num qualquer gabinete municipal. Pouca informação tem saído cá para fora, o que se estranha neste executivo camarário, que gosta de mostrar que é aberto e que tenta, nem sempre da melhor forma, promover a participação dos cidadãos nos seus processos. Muitas vezes promove essa participação por medo de decidir e por revelar muito insegurança. No caso do BRT, um projeto tão impactante, os decisores políticos parecem estranhamente cheios de coragem. Existem diferentes soluções para o BRT, pelo que temo que, no caso de Braga, seremos confrontados com uma proposta mais ou menos fechada, com margem mínima de ajuste.

É preciso discutir, por exemplo, como será aproveitado o canal que liga a estação de comboios a Gualtar (INL, UM e Hospital). Talvez a solução mais lógica seja usar, de forma exclusiva, os diferentes túneis e viadutos que aí existem, para dar uma vantagem competitiva imbatível ao BRT. O acesso às estações, que devem ser colocadas em pontos centrais (por exemplo no cruzamento da Av. Imaculada Conceição com a Av. Liberdade) teria de ser feito com recurso a elevadores ou escadas rolantes.

A ligação entre a estação de comboio e o terminal de autocarros/camionetas também é fundamental para dar escala ao BRT. Fazer passar o BRT pela Av. António Macedo e pela Av. Padre Júlio Fragata será, na minha leitura, um grande erro, pois é uma zona morta onde será difícil apanhar e largar pessoas. Numa análise ainda superficial, o percurso mais interessante parece-me ser a Rua Andrade Corvo, Rua dos Biscainhos, Campo da Vinha, Rua do Carmo, Rua Gabriel Pereira de Castro, continuando depois pelo cemitério e pelo Braga Parque até ao destino final (qualquer que ele seja).

O túnel que liga o Campo da Vinha à Av. Liberdade poderá constituir um excelente canal para o BRT, permitindo assim termos estações na Praça da República e na Avenida da Liberdade e ligando assim a estação de comboios ao Altice Fórum e ao Minho Center.

Não tenho certezas absolutas em relação à pertinência destas minhas propostas, mas creio que considerá-las e discuti-las ajudará a chegarmos à solução mais acertada.

A cidade tem gente muito qualificada em diferentes áreas do saber, pelo que não tirar partido desse capital humano é um erro grave. Existem inclusivamente trabalhos académicos que deveriam ser usados para suportar as decisões relativas ao BRT. Por exemplo, a dissertação de mestrado de Ana Magalhães Fernandes (https://hdl.handle.net/1822/76585), realizada sob orientação de André Fontes, apresenta algumas ideias bastante interessantes, nomeadamente na estrutura genérica da rede e na forma de fazer crescer o BRT para a periferia.

Em conclusão, espero que o BRT não seja pensado, concebido e desenvolvido apenas por meia dúzia de pessoas, que, se calhar, só sentem a cidade a partir do interior de um carro, nunca usam os transportes públicos e raramente fazem percursos longos a pé. Façamos do BRT um projeto da cidade para a cidade, decidido e discutido também por todos aqueles que queiram contribuir.

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