Em entrevista esta semana publicada aqui no Diário do Minho, Ricardo Rio, introduzindo o tema da mobilidade, declarou, à cabeça, que «o problema da mobilidade, em primeiro lugar, é um problema cultural. Nós nunca vamos resolver completamente o problema da mobilidade enquanto os próprios cidadãos […] não forem os primeiros a tentar procurar outras soluções, que estão disponíveis já e que podem ajudar.» É uma afirmação que levanta de imediato uma questão: que soluções de mobilidade adota, então, o esforçado cidadão Ricardo Rio no seu quotidiano?
Utilizará uma das centenas de trotinetes espalhadas pela cidade ou prefere uma bicicleta, talvez até elétrica? Recorre às novas carreiras dos TUB que afirma na mesma entrevista que o seu executivo implementou? Atendendo a que reside na zona urbana, desloca-se a pé na maior parte dos trajetos?
É uma pena que se tenha ficado pela crítica aos demais porque, atendendo ao cargo que ocupa, deveria ser o primeiro a dar o exemplo individual na adoção de tais soluções. Para os jornalistas ou perante convidados internacionais poderá até encenar uma deslocação amiga do ambiente. Mas o mais provável é que, com a desculpa do pouco tempo livre ou do transporte diário das filhas reconheça, como qualquer outro cidadão, que se descola exclusivamente de carro. No caso até tem a sorte de ter um cómodo lugar de estacionamento na via pública junto ao trabalho reservado para si (e por si!). É muito fácil transferir o problema da mobilidade para os bracarenses quando nos esquecemos que somos parte dos cidadãos.
A segunda questão imediata que tal afirmação levanta é política: o que fez Ricardo Rio na qualidade de decisor para que os cidadãos possam escolher soluções, isto é, para que possam optar por diferentes formas de deslocação? Para lá da constante promoção e marketing responsável por sistemáticas manchetes com o futuro radiante, a situação no terreno é praticamente a mesma de 2012 ou de 2002. Vinte anos em que aos peões, aos utentes de transportes públicos e aos ciclistas são reservadas as sobras do espaço público dedicado ao automóvel.
Apesar do atraso, a estratégia da Câmara na mobilidade parece, cada vez mais, reduzir-se às obras dispendiosas no nó de Infias e no BRT, as quais, como que por magia, dissolverão os problemas de congestionamento e oferecerão alternativas.
A primeira sabe-se hoje bem que é anacrónica: a experiência de décadas de incalculáveis dispêndios do erário público na infraestrutura rodoviária já comprovou que não passam de alívios temporários e de cuidados paliativos para uma doença – o excesso de carga de automóveis – cuja cura não é essa.
Europa fora vemos que nas cidades mais agradáveis onde se vive a rua já foram desfeitos os túneis e, certamente, não se aposta em viadutos.
Quanto ao BRT, a existir, circulará por alguns eixos (de) privilegiados. E a restante cidade e concelho? No resto ficaremos na mesma: sem rede ciclável, sem espaço público caminhável, sem corredores para transportes públicos, sem escolas acessíveis pelas crianças, sem desincentivos para os automóveis e pesados.
Ficaremos naquele tempo ultrapassado da falta de qualidade de vida urbana e da ingenuidade climática. Sem dúvida, que é um «problema cultural», não dos cidadãos, mas dos políticos desatualizados e sem coragem.