O carro e a saúde pública

Temos, há pelo menos 90 anos, uma situação de crise de saúde pública entre mãos que vamos ignorando. Em Portugal, neste século, essa crise já fez 1 milhões de vítimas e já matou mais de 21 mil pessoas. Estes números dizem respeito a vítimas de sinistralidade rodoviária, aos quais se pode somar as vítimas decorrentes da poluição provocada pelos carros.

Há uma mudança no léxico que devemos iniciar. Os sinistros, desastres e tragédias, têm de se deixar de comunicar como mero acidente. Devemos perceber que os feridos graves são pessoas que ficam com sequelas para a vida. Também devemos perceber que os mortos vão-se somando anualmente, perante a quase passividade da sociedade.

Imaginem se caíssem três aviões por ano em Portugal. É o equivalente a isso que temos ao nível de sinistralidade rodoviária. Uma verdadeira tragédia! No entanto, no caso de transporte público ou avião teríamos títulos como “morrem num desastre de aviação” ou “Tragédia Ferroviária” ou “Tragédia com Autocarro”. No caso do carro há uma utilização léxica que leva quase à desculpabilização do sinistro.

80% dos sinistros e mais de 55% das mortes ocorrem dentro das localidades, sendo o carro envolvido nos mesmos. Temos, portanto, um problema nas cidades.

Velocidade excessiva, uso do telemóvel, consumo de álcool e substâncias psicotrópicas são, por esta ordem, as principais causas dos sinistros rodoviários em Portugal.

Apenas o consumo de álcool e substâncias psicotrópicas prevê a criminalização. Ainda assim, a criminalidade rodoviária é a principal criminalidade em Portugal.

Está provado que a velocidade excessiva e o uso do telemóvel na condução matam. Por isso, e sobretudo dentro das localidades, deveríamos considerar esses fatores como condução perigosa e rever as sanções para dissuadir este tipo de comportamentos com vista a salvar vidas.

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