“Us and Them”, “Nós e Eles” numa tradução livre para português, é o título de uma fantástica música de 1973 dos Pink Floyd. Na letra da música Roger Waters descreve a disparatada (falta de) lógica da guerra. Os primeiros versos da música resumem tudo o resto, dizem qualquer coisa como: “Nós e eles/ E, afinal de contas, somos apenas homens normais”.
Veio-me à memória esta música na releitura de um artigo que saiu em 2015 na revista New Yorker. O artigo é sobre a disputa de espaço público entre carros, bicicletas e peões. Nele, a autora, Maria Konnikova, assinala que o modo de transporte que cada indivíduo utiliza define o que defende para a via pública. Quando usa o carro pensa que bicicletas e peões não lhe devem obstruir o caminho. Quando vai a pé não gosta de ver bicicletas a circular no passeio. Quando utiliza a bicicleta sente que tem direito a utilizar a estrada, e que por outro lado também pode utilizar o passeio porque a estrada é perigosa. Este é um tipo de armadilha mental a que os psicólogos chamam “viés egocêntrico” e à qual todos nós podemos estar sujeitos em diferentes situações do dia-a-dia. No fundo tendemos a sobrevalorizar a nossa experiência pessoal.
Esta perceção egocêntrica tem todos os ingredientes necessários para transformar as vias públicas em “locais de guerra”, desaparecendo facilmente a empatia e prevalecendo a lógica do “nós” contra “eles”. Porém, nem tudo será equivalente: entre 2010 e 2020 morreram em Portugal mais de 1000 pessoas atropeladas, a grande maioria delas em zonas urbanas. Não há registo de nenhum caso de atropelamento mortal provocado por uma bicicleta.
Será que o nosso “viés egocêntrico” intrínseco e a lógica do “nós” contra “eles” a que nos conduz, não torna ilusória a ideia de que é pelo civismo e pela responsabilidade individual de cada um que se garante a segurança de todos os utilizadores da via pública? Do meu ponto de vista sim, é totalmente ilusório. A resposta está unicamente no aumento da segurança infraestruturas existentes e é responsabilidade das diferentes entidades públicas atuar para que essas infraestruturas garantam a segurança de todos, nomeadamente em meio urbano. Afinal de contas, nós e eles somos todos apenas homens e mulheres normais que querem chegar a casa.