Intervenção na Rua Nova de Santa Cruz – Um presente armadilhado?

A Rua Nova de Santa Cruz, atualmente atravessada pela Avenida Padre Júlio Fragata, liga a Universidade do Minho à Rua D. Pedro V e, consequentemente ao Centro Histórico da Cidade de Braga. Esse conjunto linear de ruas é desde tempos imemoriais um importante eixo de mobilidade desta cidade, sendo que nos dias de hoje desempenha um papel singular na circulação de transportes coletivos e utilizadores de bicicleta entre o centro e toda a zona Este. O facto de ser o percurso mais direto entre o centro e a zona universitária, aliado a um volume de tráfego automóvel reduzido, com velocidades de circulação moderadas, permitiram aos ciclistas encontrar ali uma rota prática e relativamente segura para as suas deslocações diárias.

Desde 2012 que a Braga Ciclável defende que este eixo deve ser melhorado, por forma a promover os modos ativos e o transporte público, uma vez que é o eixo com maior procura quer pelos utilizadores da bicicleta e por quem se desloca a pé. Nomeadamente, consideramos que deve ser melhorado o piso da faixa de rodagem e dos passeios, e criadas condições para circulação em segurança de ciclistas em ambos os sentidos, ajustando a sinalização conforme necessário e implementando medidas efetivas de acalmia de trânsito. Adicionalmente, deverá também ser reposto o atravessamento de nível da Av. Padre Júlio Fragata, devolvendo assim à população a ligação direta entre os dois trechos da Rua Nova de Santa Cruz.

Foi por isso com entusiasmo e curiosidade que recebemos há dias a notícia de que a Câmara Municipal de Braga se preparava para intervir finalmente naquela rua. No passado dia 6 de janeiro, foi revelado, na escola Dr. Francisco Sanches, o projeto que começou há dias a ser executado e que deverá ficar pronto em cerca de 9 meses.

A apresentação não incidiu em todos os detalhes do projeto, pelo que é natural que algumas das nossas dúvidas e preocupações possam ter sido acauteladas pelos projetistas. Ainda assim, do que conseguimos perceber durante a apresentação, este projeto levará à existência de uma plataforma única entre a Rua da Fábrica e a Rotunda da Universidade do Minho. Isto é, ao longo de 700 metros a rua será toda ao mesmo nível, não havendo diferenças de cota. É útil lembrar que o perfil da rua é de 9,77 metros, o que permite ter passeios de 1,5 metros podendo os restantes 6,77 metros serem distribuídos para a utilização por parte de veículos.

De acordo com o que o Município apresentou aos comerciantes e moradores, esta plataforma única terá pavimento em betuminoso colorido para os peões (num total de 3 metros), uma ciclovia em pavimento betuminoso de uma outra cor com 1,5 metros de largura no sentido UM – Centro, estacionamento no lado direito no sentido Centro – UM e o restante espaço para circulação de veículos.

Fazendo contas, teremos sinalização horizontal que faz corresponder a 4,5 metros do perfil da via para modos ativos, 2,5 metros para estacionamento automóvel e… 4 metros e 26,9 centímetros de faixa de rodagem para os dois sentidos de circulação de automóveis, autocarros e bicicletas (não está prevista ciclovia no sentido Centro-UM, pelo que a circulação de bicicletas deverá realizar-se em coexistência com o tráfego motorizado, à semelhança do que acontece nas ruas D. Pedro V e de S.Vítor).

Alguém da plateia questionou qual seria o milagre para que tudo coubesse ali, uma vez que o Município pretende ainda que os transportes públicos continuem a circular em ambos os sentidos. Os técnicos responderam que tudo cabia, mas sem demonstrarem como. Disseram que se pretende que, ao circularem nesta via sem balizamento, os veículos possam circular em cima da zona destinada à ciclovia ou mesmo ao passeio. Uma verdadeira armadilha para peões e ciclistas!

Ao alargar o perfil da faixa de rodagem, sem introduzir elementos físicos que funcionem como barreiras ao aumento de velocidade e à realização de manobras de ultrapassagem perigosas, a tendência será para haver um aumento da insegurança para os utilizadores vulneráveis. Uma ciclovia sem delimitadores físicos é uma má solução, na medida em que será frequentemente ocupada por estacionamento ilegal ou, pior ainda, por veículos motorizados em circulação. Não servirá portanto o propósito de proteger quem se desloca de bicicleta, mas sim como mera forma de legitimar a prática de ultrapassagens ilegais e perigosas aos ciclistas, sem garantir que os veículos motorizados acautelem a distância lateral de segurança de 1,5m, imposta pelo Código da Estrada. Uma ciclovia que não cumpra a função essencial de proteger os ciclistas é uma ciclovia perigosa, uma armadilha que atrai ciclistas para um local que é mais perigoso que o resto da faixa de rodagem.

Partindo do princípio, defendido aliás pela CMB, de que é preciso dar prioridade aos peões, às bicicletas e aos transportes públicos, não deveria ser retirado o estacionamento automóvel e implementada uma via BUS+Bicicleta (3 metros) no sentido UM-Centro, mais uma via Banalizada (3 metros) no outro sentido, ficando o restante espaço (3,8 metros) reservado para os peões? Isso sim, seria dar prioridade aos peões (passeios mais largos), às bicicletas (via reservada no sentido UM-Centro e acalmia de trânsito) e aos transportes públicos (mais espaço de circulação para maior fluidez e via reservada no sentido UM-Centro).

Assim sendo, aquilo que nos parece é que vamos ter uma solução “bonita”, uma vez que tudo estará ao mesmo nível, mas que não será nada funcional. Prefere-se, portanto, a mera beleza à funcionalidade e segurança da rua. Pelo menos segundo a explicação pública fornecida, são estas as conclusões que tiramos.

Infelizmente, o que é certo é que o carro continua a ocupar todo o espaço que puder, e por isso teremos uma rua de nível cheia de automóveis estacionados, sem controlo. Sabemos que não será mais policiamento que virá resolver esse problema, porque não é possível ter um polícia por rua durante 24 horas e basta um minuto de estacionamento ilegal para estragar a funcionalidade da rua. E sabemos também, de experiências anteriores na nossa cidade, que não basta contar com o civismo e bom-senso dos condutores.

Numa cidade com mais de 20 000 lugares de estacionamento automóvel de superfície (dos quais apenas 1 000 são pagos), e em que a visão política dos seus dirigentes autárquicos reconhece a necessidade de reversão do uso do automóvel e incentivo aos modos ativos e ao transporte público, porque ainda se dá prioridade à criação de estacionamento automóvel, colocando em causa a circulação fluída e segura dos peões e dos ciclistas e até dos transportes públicos? Queremos uma Rua Nova de Santa Cruz renovada, sim, mas uma rua que funcione para todos e seja realmente segura para as pessoas que andam a pé, de bicicleta e de transportes públicos.

Todas estas preocupações foram expostas ao Vereador Miguel Bandeira na passada segunda-feira, dia 16 de janeiro de 2017, que assegurou à Braga Ciclável que ainda seria possível ajustar o projeto. 

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