Braga é a terceira maior cidade do país e é também a terceira mais poluída. Nas últimas décadas, os investimentos avultados em túneis, viadutos, parques de estacionamento e rodovias, impuseram à cidade a ditadura do carro, sobrando quase nada para a promoção de uma mobilidade mais ecológica. Hoje, os investimentos para as questões de mobilidade têm-se tornado mais verdes e, em Braga, há, neste momento, projectos aprovados a rondar os 4,5 milhões de euros de investimento apenas para vias cicláveis. Escrevo isto com um grande sorriso na cara, mas lembro-me ao mesmo tempo de uma história que o meu pai contava sobre a construção de uma ponte no interior do Alentejo nos anos 40 em que o trabalhador perguntava porque se gastavam aqueles milhões se ali não havia rio e o político respondia “construa-se a ponte que o rio logo aparece”.
Tenho para mim que Portugal gosta um pouco em demasia de projectos gigantes e se esquece com frequência que a diferença está nas pequenas coisas. Não me interpretem mal, o meu coração palpita a imaginar as ciclovias a rodear o Cávado e a ligar Braga a outras cidades e fins-de-semana com famílias inteiras a ciclar em segurança, mas não posso deixar de me perguntar quanto custaria aos ecológicos Transportes Urbanos de Braga colocar uma grelha para transporte de bicicletas na parte da frente dos autocarros. Dir-me-ão que não é a solução perfeita, que a solução perfeita era uma nova frota de autocarros com espaço para as bicicletas no seu interior mas lá voltamos à questão dos milhões e dos projectos que demoram 20 anos a implementar. Hoje, se eu quiser pegar na bicicleta e ir dar um passeio no final da tarde, ir ao rio ou ao Mosteiro de Tibães, por exemplo, tenho de assumir há ir e há voltar e a ausência de planos B torna a decisão de pegar na bicicleta mais difícil – e se eu tenho um furo? e se estou demasiado cansado ou cai uma tromba de água? e se eu torcer um pé? E se eu vivo a 30km de Braga, não posso ter uma alternativa de transportes colectivos que me ajudem a trazer a bicicleta para a cidade e usá-la apenas no meio urbano?
E porque é que a CP não me deixa levar a minha bicicleta nos comboios regionais da linha do Minho quando eu quero ir até à praia ou quando quero ir pedalar para a lindíssima ecopista do rio Minho? Dizem os senhores das estações e a menina do atendimento telefónico e o site da CP, num discurso absolutamente decorado, que é “devido às características do material circulante”. Mas se o próprio “material circulante” tem um dístico por cima da porta com uma bicicleta, e se é até o mesmo modelo do comboio Celta, que permite o transporte de bicicletas, então porque não posso levar a minha no Regional? Pedi, sem sucesso, ajuda à CP via chat para que me ajudassem a perceber o real motivo para a carruagem final não poder transportar bicicletas. Infelizmente, “não temos informação na nossa base de dados relativamente a essa questão e não sabemos quem terá; posso ajudar em mais alguma questão e continuação de um bom dia” foi o melhor que consegui.
Gostava de ver, para além dos projectos dos milhões do Portugal 2020 a andar, empenhamento político na resolução dos pequenos problemas que inibem a população em geral de utilizar a bicicleta nas infra-estruturas já existentes, sem ser necessário dar nas vistas ou de fazer obras dignas de abertura de telejornais.
(Artigo originalmente publicado na edição de outubro de 2016 da Revista Rua)
Atualização:
Há cerca de 1 mês escrevi um artigo para a Revista Rua no âmbito da Associação Braga Ciclável, artigo este publicado na revista da Outubro, acerca de, entre outras coisas, a impossibilidade de transportar bicicletas na linha do Minho. Apesar de haver uma carruagem com o símbolo da bicicleta e de automotora ser o mesmo modelo de outras que transportam bicicletas (como o comboio Celta), apesar de muita insistência com o apoio ao cliente da CP e com os senhores da bilheteira de Barcelos, “não devido às características do material circulante” foi a única resposta que obtive.
Hoje, volvidos 10 dias, parece que sim, que já é possível transportar bicicletas na linha do Minho. Não foram feitos investimentos avultados, não foram chamados ministros ou secretários de estado para cortar nenhuma fita e não houve sequer uma conferência de imprensa a informar da alteração. Simplesmente, a CP reavaliou a situação e achou que não havia nenhum motivo para o redondo não, para além das 3 linhas que o defendia no seu site. Neste momento, a decisão é ainda dependente do revisor que pode, em comboios sobrelotados, negar o transporte da bicicleta. Pode não ser a solução perfeita, mas para mim, que sou fervorosa adepta do deus da pequenas obras e acredito que as revoluções são para se ir fazendo.
A “culpa”, convém esclarecer, não foi minha, nem do artigo de opinião na revista RUA, embora possamos ter ajudado a dar o empurrão. Os créditos vão todos para os utilizadores de bicicleta que não se resignam, que pedem explicações e quando estas não servem, pedem o livro de reclamações. Os créditos, como quase sempre, vão para aquelas pessoas que não baixam os braços e que acreditam que cidadania é participar, tomar posição e agir de acordo. A Associação Braga Ciclável é parte deste mundo desde 2012 – acreditamos que está, de facto, nas nossas mãos contribuir para uma cidade mais amiga das bicicletas e por isso lutamos todos os dias com as armas que a democracia nos dá para contribuir para esse fim.
E se os créditos vão para quem não se fica pelo reclamar no café, a vitória é de nós todos.