Utopia, uma das palavras utilizadas por parte de quem se incomoda muito com quem pugna activamente pela mobilidade sustentável e por comportamentos mais racionais. Este incómodo e este estereótipo devem-se a um factor único, o preconceito de quem não anda de bicicleta, mesmo que tenha uma na garagem a ganhar teias de aranha há anos. Mas vamos desmistificar a alegada utopia, dando eu (mais) um exemplo na primeira pessoa.
Neste semestre que agora termina, tive de me deslocar semanalmente a Lisboa para leccionar as disciplinas de geomorfologia e climatologia. Sim, aquelas que tratam por exemplo de declives e de climatologia. Ora, se eu fosse comodista, iria de carro até à central de camionagem de Braga, de forma a apanhar o expresso. Contudo não sou comodista. Por isso mesmo pegava numa das minhas bicicletas às 4:30 da manhã, de forma a 15 minutos depois estar lá e às 5:00 da manhã entrar no autocarro. Fazia um trajecto cheio de obstáculos, não pensado para quem utiliza a bicicleta. Chegado lá, tinha um local para estacionar e prender a bicicleta. Tão simples como isto. Por volta das 19:30 já estava de volta e fazia o trajecto contrário, com uns pequenos ajustes, já que, mais uma vez, a cidade está pensada para quem usa e abusa do carro. E neste trajecto, às sextas-feiras, era comum ultrapassar carros, boa parte deles apenas com o condutor dentro.
Se fosse comodista teria ido de carro, sendo que para isso em vez dos 4 km que fazia, teria de fazer 8 km. Teria também de deixar o carro estacionado e imóvel durante todo o dia, dificultando a vida a quem, de facto, tem de utilizar sempre ou quase sempre o carro. E ainda não cheguei à parte da poluição associada ao uso e abuso do automóvel, que nos prejudica a todos. Isto dá uma nova perspectiva a quem de forma populista e demagoga fala em utopias quando falamos em mobilidade sustentável.
Mas voltando atrás e à geomorfologia e climatologia, lembro-me também de quando falam em alegados declives impossíveis ou chove muito em Braga para justificar o comodismo do automóvel. Duvido que quem se desculpa com isto tenha alguma vez visto um mapa topográfico da cidade de Braga, ou saiba o número de dias de chuva por ano. Quem, como aqueles que pugnam pela mobilidade sustentável em Braga, sabem bem que o declive e a tal chuva não é dificuldade para andar de bicicleta. O declive é afinal muito favorável, havendo apenas alguns sectores menos favoráveis. A chuva não é problema, basta ajustar o vestuário.
Vamos pedalar?