Braga dos 15 Minutos

A promessa que nos foi feita no século passado de que o automóvel quebraria a barreira da distância e nos traria a liberdade de deslocação rapidamente caiu em terra e mostrou a sua verdade decepcionante. As filas de trânsito intermináveis alienam os condutores, presos (ou enjaulados?), frustrados consigo próprio e com todos os demais, a dependência financeira que é imposta pela manutenção e alimentação do automóvel, bem como toda a infraestrutura de que este depende, não fossem estes motivos suficientes para o indivíduo, há ainda os 1.35 milhões de vidas que anualmente se perdem em trágicos sinistros rodoviários mortais.

Recomendo ao leitor que olhe ao seu redor e repare no desenho das ruas da cidade onde se desloca. Em Braga, por exemplo: por que motivo temos vias rápidas a fraturar o centro urbano da cidade, compensadas por vias pedonais aéreas e subterrâneas que obrigam peões a percorrer o dobro, ou triplo das distâncias? Por que motivo temos monumentos municipais históricos, como a Sé de Braga, em que o seu pátio é convertido em estacionamento? Que zonas da cidade é possível percorrer sem sofrer a poluição multidimensional causada pelo automóvel que nos ataca no ar, som e visão? Porque é que o Município de Braga quer proibir a circulação de bicicletas no centro histórico quando circulam veículos pesados nesta zona? Tudo isto é consequência de um problema de mobilidade, e fruto de decisões que – ainda que de forma inconsciente – dão prioridade ao automóvel no nosso tecido urbano, em detrimento de formas menos egoístas de locomoção.

Braga é, na verdade, uma cidade morfologicamente privilegiada. A sua densa zona central urbana, nos cerca de 6 kms de diâmetro onde habitam pelo menos 90 mil pessoas, tem diferenças de elevação que não ultrapassam os 50 metros – e já usufruímos de um centro histórico (idealmente) restrito ao automóvel, uma utopia pela qual muitas cidades lutam. No ideal cada vez mais popular de cidade de 15 minutos, onde se privilegia a caminhada ou o uso da bicicleta, Braga partiria já de uma tremenda vantagem. Basta ver para onde tendem outras cidades europeias.

Parte da Europa vive uma era milagrosa na área da mobilidade. A cidade de Paris (que se transformou sob o gabinete de Anne Hidalgo) planeia a adição de 180 quilómetros de ciclovias, além de um plano para colocar os automóveis fora da zona histórica da cidade, e Barcelona repensa a malha da sua cidade em superblocos, onde as pessoas podem viver em comunidades, nos quais todos os serviços estão disponíveis sem depender do carro. Mesmo cidades mais pequenas, como Leuven, conseguiram repensar a teia urbana para criar espaços onde nenhum cidadão está aprisionado pela necessidade do automóvel.

Esta, sim, é a verdadeira revolução, que repõe no indivíduo a liberdade de se deslocar sem depender da indústria automóvel, e nos devolve a convicção de que basta a mobilidade suave, em conjunto com uma robusta rede de transportes públicos, para solucionar grande parte do problema da mobilidade urbana. E apesar de dos esforços políticos não oferecerem ainda resposta à insegurança e sinistralidades rodoviárias, nem a uma legítima vontade de termos uma cidade para pessoas – e não para carros – também esta revolução chegará a Braga. E só depende de nós.

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *

Time limit is exhausted. Please reload CAPTCHA.