Recentemente viajei até à Dinamarca. Aarhus era destino desconhecido e agora admirado. Podia ter ido a Copenhaga, mas a Copenhaga é mais fácil de ir de avião do que a Aarhus. Podendo ir até lá de carro (estou temporariamente a trabalhar na Alemanha) e aproveitar a paisagem dinamarquesa é para aproveitar.
Coincidentemente Aarhus é Capital Europeia da Cultura 2017 e, portanto, mais um motivo para lá ir.
No caminho para Aarhus é fácil de perceber que a cultura da bicicleta é isso mesmo, cultura. Não é um incentivo governamental nem tão pouco um desporto, é algo intrínseco nos dinamarqueses.
Assim que chego a Aarhus, percebo que distância entre o uso de automóvel e da bicicleta é muito pequena. O espaço é partilhado de forma igual (com as devidas proporcionalidades) e a cidade respira mobilidade com espaço para peões, bicicletas, transportes públicos e automóveis a coexistirem harmoniosamente.
No caso específico da bicicleta, foi interessante notar que apesar de existirem bastantes infra-estruturas orientadas ao uso da mesma, as pessoas basicamente parecem utilizar o bom senso quando circulam de bicicleta. As regras existem, são de forma geral cumpridas, mas se tiverem que quebrar uma regra o bom senso impera e as pessoas são cautelosas e atentas a quem está à sua volta. Acho que Aarhus transparece um pragmatismo (já observado por mim na Alemanha) em que a primazia é dada ao sentido prático no uso da bicicleta e no não uso do automóvel. Um certo pragmatismo, quanto a mim, valiosíssimo. Que talvez merecesse uma importação para Portugal.
Observando o dia a dia em Aarhus, foi fácil reparar em como é surpreendente o resultado das políticas de mobilidade. Milhares de bicicletas por todo o lado, transportes públicos muito variados e muito frequentes e carros banidos do centro histórico da cidade. Gente a ir de grandes bairros na periferia para o centro de bicicleta através de grandes ciclovias. E qualquer pessoa anda em qualquer bicicleta, não só o atleta de bicicleta de montanha ou o miúdo em bicicleta “BMX”.
Nesta cidade vêem-se todos os “clichês” da mobilidade associada à bicicleta, os suportes em todos os pontos de aglomeração de pessoas, as zonas de 30, a permissão explicita de circulação de bicicletas e peões nas chamadas zonas de coexistência, ciclovias devidamente sinalizadas ao lado das principais artérias que ligam o centro e os bairros periféricos, semaforização e marcações no chão dedicadas às bicicletas nos cruzamentos mais complicados para facilitar o atravessamento e muito mais.
Vendo isto, não acredito que o facto de existirem ciclovias ou suportes para bicicletas, tenham feito algo mais por Aahrus do que o pragmatismo do povo Dinamarquês. É certo que hoje, olhando para uma ciclovia moderna que liga a periferia ao centro de Aahrus, parece que foi assim que a cidade evoluiu, ciclovia e depois ciclistas. Mas acho que foi precisamente ao contrário! Pragmaticamente o Dinamarquês olha para a bicicleta e vê uma solução para os seus problemas e os políticos acompanham com políticas de mobilidade e infra-estruturas adequadas.
Afinal de contas as estradas e o código da estrada também não apareceram antes dos carros, pois não?
Transpondo esta realidade para Braga, diria então que não precisamos só de infra-estruturas bonitas e modernas, precisamos sim de vontade e pragmatismo. Nada mais. Para resolver alguns problemas precisamos apenas que alguém amanhã, depois de ler este artigo pense, “se calhar hoje posso tentar usar a bicicleta para ir para o trabalho, porque não?”. Um de cada vez, pode ser que devagar, Braga se torne no futuro numa cidade mais adepta da mobilidade, numa cidade sem alguns problemas. Eu quero acreditar que pode.
Para mim, este pragmatismo é parte da cultura dinamarquesa. Cultura não é só teatro, cinema, ou música. Cultura é também perceber que vivemos em comunidade e o que nos afecta, também afecta, em última análise, aqueles que connosco convivem.
Em 2017, Aarhus é Capital Europeia da Cultura. A bicicleta é apenas mais uma maneira de a demonstrar.