As linhas vermelhas da câmara anti-bicicleta

Em engenharia, um padrão de concepção é uma solução eficaz/eficiente para um problema conhecido/recorrente. Quando conseguimos identificar o problema, então a sua solução não requer grande engenho. Recorremos ao padrão e já está. Dois exemplos ajudam a perceber o conceito. Quando num avião é preciso colocar uma janela, o padrão é elas terem os cantos arredondados. Uma janela quadrada, por ter cantos aguçados, é menos resistente à pressão e tem tendência a quebrar-se em pleno voo. Um outro problema clássico é a necessidade de construir edifícios altos como catedrais góticas. A solução padrão era o uso do arcobotante, que é uma construção em forma de meio arco, erguida na parte exterior da catedral para apoiar as paredes e repartir o peso das paredes e colunas.

Por contraponto, um anti-padrão é uma solução para um dado problema, mas que é aplicada num outro problema, tornando-se assim ineficaz. Um exemplo muito simples é a utilização de um martelo para apertar um parafuso. Todos sabemos que o martelo funciona normalmente bem com pregos, mas não com parafusos. Um anti-padrão é uma ação, um processo ou uma solução que inicialmente parecia eficaz, mas que ao ser aplicado produz mais malefícios do que benefícios.

Vem isto a propósito de algumas soluções na área da mobilidade que a CM Braga tem implementado nas artérias do concelho. Vejamos alguns exemplos. Quando se deteta um uso abusivo do espaço público por parte de veículos (e.g., ocupação indevida de passeios), a solução padrão é colocar-se algum tipo de impedimento físico para evitar essa ocupação. A colocação de pilaretes bem fixos ao chão e em material metálico resistente é uma solução padrão. Infelizmente, a CM Braga parece gostar de colocar pilaretes plásticos que são um anti-padrão, pois como facilmente se constata são facilmente destruídos. Deixam de ser eficazes, i.e., não produzem o efeito desejado. A colocação de pilaretes metálicos mal fixos ao chão também não resulta, pois são facilmente removidos. Vemos isso também em muitos ruas de Braga.

Recentemente, a CM Braga resolveu pintar umas linhas vermelhas (que não são ciclovias) e colocar sinais de limitação de velocidade de 30 km/h em várias ruas. Este é mais um exemplo de um anti-padrão. O objetivo aparenta ser triplo: (1) permitir a coexistência de bicicletas e automóveis, (2) marcar as faixas de circulação das bicicletas e (3) limitar a velocidade dos automóveis para diminuir o risco de acidentes. Parece-me muito evidente que esta solução não vai resultar. É uma solução avulsa que carece de outros mecanismos para ser realmente efetiva. Alguns dos problemas que antecipo são: (1) muitas das pinturas foram feitas em pisos altamente degradados, irregulares e cheios de buracos, o que será perigoso para quem lá circula; (2) a colocação de sinais de limitação de velocidade em vias que “convidam” a circular mais rapidamente não resulta, e exemplo disso são os sinais na rodovia e no fojo; (3) a ausência de fiscalização do estacionamento irregular tornará muitas dessas linhas vermelhas não utilizáveis; (4) encostar a linha vermelha ao passeio e aos carros estacionados na Rua D. Pedro V é potenciar os acidentes e as ultrapassagens ilegais; (5) reduzir um passeio, para se pintar uma “ciclovia” na Rua 31 de Janeiro, vai apenas criar conflitos desnecessários entre pessoas a pé e de trotinetas/bicicletas, quando há ali muito espaço para reorganizar sem ser o do peão. Em Lisboa, surgiram também linhas (em verde) maioritariamente em ruas estreitas, mas acompanhadas de medidas de redução da velocidade. Mas muitas das intervenções lisboetas têm criado ciclovias, reorganizando o espaço automóvel.

Alguém dirá um dia que as linhas vermelhas não tiveram adesão, concluindo que não há utilização da bicicleta em Braga em número suficiente. Esta intervenção das linhas vermelhas, feita a correr antes das eleições e com custos muito elevados, dá ideia que irá servir essencialmente para justificar a ausência de investimento em ciclovias, que permitiriam a circulação segura de bicicletas.

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