Há uns anos atrás ouviam-se várias pessoas com responsabilidades políticas na cidade a afirmar que Braga tinha falta de estacionamento. Aliás, é comum ouvirmos declarações destas pelo país fora. Estas repetidas declarações levaram-me a ir procurar dados, definindo como perímetro de investigação as 15 freguesias que compõem a cidade de Braga.
Num estudo da Mobilidade Integrada do Quadrilátero de 2013 encontrei alguns dados, solicitei outros ao Município e fiz um levantamento exaustivo de outras ruas e parques de estacionamento. Verti essa informação, na altura, para a minha dissertação de mestrado, para ter validação e ficar registada e disponível para quem a quisesse consultar.
Resultado: Nas 15 freguesias, com uma área de 13 km2, onde habitam 94 370 pessoas, existem 48 684 lugares de estacionamento automóvel, sendo 21 945 off-street (parques subterrâneos, ou grandes parques abertos) e 26 739 lugares on-street (na rua). Só 7% destes lugares na via pública são pagos.
Números redondos, a oferta é de 1 lugar para cada 2 pessoas.
E então passei a ouvir e ler: “Muitas casas não têm garagem.”, e essa afirmação chocava-me, pois não era a perceção que eu tinha. Mas as perceções muitas vezes são erradas e voltei a procurar factos. Dados. Pedi ao Município o número de garagens na cidade. Resposta: Não sabemos.
Encontrei, depois, um dado interessante no Estudo de Mobilidade Integrada do Quadrilátero: Em Braga, na cidade, 84,8% das residências possuem Garagem ou lugar de Garagem. Apenas 15% das residências não têm espaço de estacionamento próprio. Um dos grandes problemas é que muitas são as vezes em que as garagens servem de armazém, porque se arranja sempre um espaço na rua para deixar o carro.
Como o espaço na rua é grátis, e quando se arranja um lugarzinho, as pessoas optam por essa solução, ou porque a garagem está ocupada, ou por preguiça/comodismo.
Ou seja, não falta oferta de estacionamento! Há falta de organização dessa oferta. Como diz Donald Shoup “se a pizza fosse grátis, toda a gente comia pizza”. A partir de um determinado nível de ocupação do espaço público, a única forma de gerir a oferta é taxando a mesma, passando a ser paga por quem utiliza e ocupa aquele pedaço de espaço público.
Mas taxar o estacionamento na rua em todo o concelho? Não. Apenas onde há pressão automóvel que justifique, onde a procura supera a oferta, onde se ouve “nunca há lugar para estacionar”.
E toda a taxa igual? Também não. A estratégia terá que passar por zonamentos com tarifas diferentes, mais uma vez, dependendo da zona, das tipologias ali existentes e da rotatividade pretendida.
O lugar que um carro ocupa estacionado custa dinheiro. Quando o lugar é “grátis”, o custo dessa ocupação é suportado por todos nós, enquanto contribuintes. Não há impostos nacionais que cheguem para cobrir todos os custos que o carro traz a uma cidade, nem em Portugal, nem em nenhum país do Mundo.
Algo que também sabemos é que uma casa com garagem em Braga custa entre 15% a 25% mais do que uma casa sem garagem, e isso é porque o espaço que o carro ocupa tem valor.
Um carro (ligeiro de passageiros) permanece estacionado na via pública, em média, 23 horas por dia. Esse espaço deixa de ser público, passando a estar ocupado por um bem privado. Muitas das vezes sem que este bem pague qualquer ocupação.
Ao contrário, um estabelecimento comercial que queira “alugar” o espaço público para, por exemplo, colocar uma esplanada, tem que pagar uma taxa.
A cidade ganhava muito mais se taxassem a ocupação de espaço público de um automóvel e isentasse a ocupação por parte das esplanadas.
Uma política de mobilidade sustentável, em que se quer que as pessoas passem a andar mais a pé, de bicicleta e de transporte público, em detrimento de fazerem todas as deslocações de carro, implica, entre outras coisas, que:
– Andar a pé, de bicicleta e de transporte público tenha percursos diretos;
– Andar a pé, de bicicleta e de transporte público tenha percursos rápidos (canais dedicados);
– Andar de carro seja possível, mas difícil e mais caro e mais lento que os outros modos, e aqui a tarifação do estacionamento é uma política necessária.
Devolver as cidades às pessoas é fundamental para o futuro de todos. Democratizar e equilibrar o espaço público é absolutamente necessário para que se consiga alcançar uma mobilidade sustentável. Só assim será possível que as famílias deixem de ter 2, 3, 4 e 5 carros, e possam optar por outros modos de transporte.
Não podemos olhar para a forma como hoje as pessoas se deslocam para justificar que não se possa mexer. O que é necessário é perceber quais os modos de transporte que as pessoas podem utilizar na cidade, que reorganização é necessário fazer e que medidas tomar para que as pessoas possam passar a deslocar-se de outra forma.
Já não é apenas uma opinião que os Bracarenses querem utilizar outros modos de transporte, e também não é uma opinião que os Bracarenses querem ciclovias seguras para utilizar a bicicleta como modo de transporte. Está demonstrado. É de salutar que existam opiniões divergentes, mas, para não correr o risco da vulgaridade e mediocridade, é necessário também demonstrar o contrário, sustentando essas opiniões.
Afinal a mobilidade induz-se, e para isso é preciso que a infraestrutura ofereça melhores condições para quem quer andar a pé, de bicicleta e de transportes públicos, reorganizando o espaço do automóvel. Automóvel que hoje tem todas as regalias e privilégios na cidade, prejudicando os restantes modos de transporte.
Precisamos de uma cidade mais amiga de quem anda a pé, de bicicleta e de transporte público.
o estudo sobre as 15 freguesias levanta-me algumas dúvidas. Porquê 15? Quais as 15? Porque não fazer de todas?
O problema é que no estudo diluiu-se o problema do transporte e estacionamento, que só deve existir numas 5 freguesias do estudo pelas 15.
Exemplo: Quinta das Fontes em São Vicente Braga. Um grande erro urbanístico, prédios enormes, uma ocupação do solo super densa. poucas garagens. O que interessará aos moradores que na freguesia de Adaúfe (por exemplo) não faltam lugares de estacionamento?
O problema do transito em Braga é sobretudo de pessoas que vivem perto do centro, mas que para se deslocar para o centro optam por levar o carro, por comodidade, por as vias de conexão com o centro não serem apropriadas para os peões, sem passeios, por vezes sem berma. Desde que chegam ao centro, jão vão a pé para todo o lado. Bastava “alargar” o círculo de deslocação facilitada (Infias para norte, Gualtar para Nascente, Maximinos para Poente e estádio 1.º de Maio para sul) que as pessoas passariam a circular por outros meios.
Artigo muito esclarecedor. A dedicação exagerada de espaço na via pública ao automóvel é evidente. Basta pensar que, tendo em conta o prescrito na Lei das Acessibilidades, portanto passeios com 140cm livres, a largura mínima para o estacionamento é de 200cm, mais de 40% superior. Nem sequer tendo em conta a largura da faixa de rodagem ou a quantidade de ruas que não cumpre a largura mínima dos passeios, a percentagem de espaço público dedicado ao automóvel é assustadora. Hoje sabemos que o automóvel é adverso à vida urbana e que as cidades com melhor qualidade de vida são as que, cada vez mais, o restringem e devolvem o espaço anteriormente ocupado às pessoas.